Veja aqui a revista completa. Revista Carne Nº221
Revista Especializada da Produção ao Consumo
Casados há 15 anos e parceiros de negócio, Joana Pinto e Diogo Cardoso lideram o Grupo FTD — Fumeiros Terras do Demo — um dos maiores operadores nacionais no setor das carnes frescas e enchidos. Entre tradição, inovação e responsabilidade social, contam como equilibram a vida familiar com a administração de uma empresa que já dá emprego a mais de 270 pessoas.
Joana e Diogo completam-se dentro e fora de portas. Pais de dois filhos e cúmplices num projeto de vida comum, estendem essa cumplicidade à gestão da empresa. Hoje, partilham a administração do Grupo FTD, continuando o legado familiar.
O Grupo FTD teve a sua génese em 1979, quando José Cardoso – pai de Diogo e fundador do Grupo – depois de uma longa experiência no setor das carnes, dedicou-se à produção de enchidos de fumeiro, característicos da região.
Atualmente, o Grupo FTD está presente praticamente em todas as cadeias de distribuição e comércio tradicional, exibindo a sua marca “Terras do Demo”. Conta com duas unidades de produção: uma de produtos tradicionais fumados, em Vila Nova de Paiva, no distrito de Viseu, e a outra em Armamar, de desmancha, produção e embalagem, de carne fresca e produtos transformados de suíno.
Foi nesta última unidade que nos encontrámos com Joana Pinto e Diogo Cardoso para uma conversa aberta, bastante interessante, e, ao mesmo tempo, sentida e corajosa.
Diogo Cardoso é administrador do Grupo FTD, “Exerço todas as funções que a empresa me exige, para termos tudo o mais organizado possível”. Joana Pinto assume a partilha na administração e acumula a direção do departamento de Recursos Humanos e o de Qualidade. “Assumimos a administração em conjunto: o Diogo dedica-se mais à parte dos números e eu foco-me na dimensão humana. É assim que nos equilibramos”.
Alguns estudos, como um lançado recentemente pela IZA – Institute Of Labor Economics, revelam que o resultado obtido por casais empreendedores geralmente é superior ao de outros tipos de parceria. Por outro lado, defende o estudo, que, para manter as dinâmicas da empresa saudáveis, para além de uma boa relação com o companheiro, é necessário traçar uma linha divisória muito clara entre a empresa e o lar.
A sabedoria popular diz que não devemos misturar trabalho com vida pessoal. Não devemos levar os problemas para casa, e há que evitar tratar questões pessoais no horário de trabalho. Mas será mesmo assim? Pois… mas não é bem assim, como aponta outro estudo recente publicado na revista americana Human Relations.
Diz o estudo que, ao tentarmos manter o trabalho e a vida familiar separados, podemos ficar mais stressados – tentar integrar as duas vertentes é a melhor estratégia para encontrar o equilíbrio e ter maior eficácia, sugerem os investigadores responsáveis pelo estudo. E foi exatamente por este tema que iniciamos a conversa com o casal.
A vida de casal é compatível com a vida de administradores?
Joana: A verdade é que não é fácil. Existem dias difíceis e dias de uma exigência extrema, que nos obrigam, muitas vezes, a levar trabalho para casa. Mas, no fim, compensa, porque somos muito unidos e também muito críticos um com o outro. Procuramos sempre saber a opinião um do outro em primeiro lugar, pois, sem dúvida, é a pessoa com quem mais me identifico no trabalho.
Diogo: “Nas empresas familiares é natural levar o trabalho para casa. Desde pequeno vi isso acontecer com os meus pais.”. Naturalmente, evoluímos e tentamos não falar muito de trabalho em casa, mas também é devido ao reconhecimento que temos vindo a ter que nos obriga a isso.
Joana: Quando existe a necessidade de estarmos ambos ausentes da empresa, é inevitável que tratemos de questões de trabalho em casa. Queremos liderar pelo exemplo e, por esse motivo, há situações que exigem uma resolução imediata. Em casa, por vezes, é mais tranquilo, permitindo-nos lidar com essas questões sem a pressão do ambiente laboral.
Olhando para a vossa empresa com um pouco mais de atenção, por exemplo, nas redes sociais, há um ponto que ressalta à vista para além do produto: os recursos humanos. É uma questão muito sensível para a empresa?
Joana: Gerir pessoas é talvez a missão mais desafiante da empresa: árdua, mas também apaixonante. Felizmente, não é por acaso que temos uma equipa incrível. Temos excelentes profissionais que nos fazem sair da nossa zona de conforto, porque acabamos por estar aqui um pouco absorvidos pela missão de obrigar a “máquina” a andar. Se a “máquina” não andar, não conseguimos corresponder às nossas obrigações, mas também é uma responsabilidade social, contamos com uma equipa composta por colaboradores de diversas nacionalidades. Tentar chegar a todos da mesma forma e acolhê-los da mesma forma é um trabalho muito difícil, mas muito compensador.
Compensador como?
Joana: pela forma como nos agradecem, como lidam com o trabalho, como correspondem às nossas ideias, e isto é muito importante, porque o nosso objetivo também é fixar pessoas no interior. Estamos no interior do interior e fixar pessoas aqui não é fácil, não é fácil contratar, mas mesmo assim queremos continuar este registo, porque é muito importante que as pessoas se sintam bem e nós trabalhamos para essas pessoas.
Quando fala em missão árdua, refere-se a quê?
Joana: Temos colaboradores de várias nacionalidades a trabalhar connosco. Alguns deles, muito provavelmente, têm aqui a sua única refeição diária. Quando falo em trabalho árduo, refiro-me precisamente ao desafio de encontrar soluções para estas situações: como podemos garantir que todos têm acesso a refeições adequadas às suas necessidades?
A tomada de decisões nem sempre é simples, pois exige um equilíbrio entre a razão e o coração. Muitas vezes refletimos sobre isso: o Diogo tende a decidir com base na razão, enquanto eu sigo mais a vertente do coração.
Chegam a um equilíbrio?
Diogo: É difícil, porque, gostemos ou não, os números estão sempre no centro das atenções. Mas para nós, o impacto social tem um peso enorme. A verdade é que os resultados financeiros são fundamentais, mas não como fim em si mesmos. São o meio que nos permite investir nas pessoas, garantir bem-estar, promover qualidade de vida e cumprir a nossa responsabilidade social. No fundo, é isso que realmente nos move.
Joana: Por vezes somos confrontados com decisões que podem não ser as mais favoráveis para nós, mas que são necessárias para garantir o bem-estar de todos. Temos a responsabilidade de nos preocupar com a saúde e a qualidade de vida dos nossos colaboradores. Muitas vezes chegam primeiro sozinhos e, posteriormente, reúnem-se com os seus familiares, o que é uma realidade constante.
A vida fora daqui não será fácil para muitos deles, e, por isso, na Terras do Demo assumimos a responsabilidade social de os acolher devidamente na empresa, criando as condições necessárias para que, mais tarde, possam receber as suas famílias em circunstâncias dignas
Com 270 trabalhadores e uma presença considerável de estrangeiros, é fácil gerir a diversidade cultural?
Joana: A maioria dos nossos colaboradores é portuguesa, mas contamos atualmente com trabalhadores de 11 nacionalidades diferentes. Consideramos que esta diversidade é um ponto forte para a empresa. Procuramos implementar uma política de inclusão eficaz, que garanta que todos se sintam valorizados, ouvidos e plenamente integrados no ambiente de trabalho.
Diogo: Criámos um horário concentrado muito bom em Portugal: 12 horas por dia, três dias por semana, resultando em 36 horas semanais com o mesmo salário. Criámos duas equipas — uma trabalha segunda, quarta e sexta-feira, a outra terça, quinta e sábado, com rotação quinzenal — permitindo, assim, que os colaboradores tenham fins de semana prolongados a cada duas semanas. Estes horários são diferentes e conseguimos fixar talento, especialmente entre os portugueses a maioria procura-nos por isso. Para viabilizar o modelo, tivemos de duplicar a equipa, e com isso não só atraímos mais pessoas como também conseguimos retê-las.
As pessoas estão satisfeitas? Em turnos de 12 horas as pessoas são produtivas?
Diogo: estão satisfeitas porque o sistema proporcionou mais qualidade de vida. As pessoas até são mais produtivas e foi tudo uma questão de adaptação. Além disso, não estamos a falar de 12 horas seguidas, para minimizar o impacto, as pessoas param para as 3 refeições diárias. Não podia se de outra maneira.
A produção levanta invariavelmente a questão da formação. A formação é um fator-chave da vossa gestão?
Joana: A nossa formação interna centra-se tanto na qualificação dos colaboradores como na garantia da qualidade em todas as vertentes: do produto, do trabalho e da função desempenhada. Contamos com formadores capacitados, capazes de ministrar formação também em inglês, uma vez que alguns trabalhadores não dominam o português e comunicam apenas no seu idioma de origem e em inglês.
Para nós, a formação é absolutamente essencial. Neste momento, estamos a preparar uma ação de primeiros socorros, que consideramos fundamental na nossa área de atividade. Este tipo de investimento nos recursos humanos acrescenta valor não só à vida profissional, como também à vida pessoal e familiar dos trabalhadores.
Acreditamos que a formação gera qualidade, e a qualidade exige rigor. Por isso, somos exigentes em todas as fases da cadeia, desde a matéria-prima até à embalagem final, e isso implica disponibilizar formação adequada em cada uma dessas etapas. Incluímos igualmente a componente social, já que, com 11 nacionalidades diferentes, coexistem culturas, religiões e formas de ver o mundo muito diversas. Não pretendemos que todos pensem da mesma maneira, mas acreditamos que o respeito mútuo é essencial, tanto para a qualidade de vida de cada um como para a concretização dos sonhos, objetivos e interesses da empresa.
Os recém-chegados quanto tempo têm de formação?
Diogo: numa empresa como a nossa, a formação é contínua, mas na primeira semana – acordado com as nossas chefias o colaborador entra e está junto a um colaborador experiente e responsável, passado uma semana e às vezes até é preciso mais tempo vai trabalhar sob orientação. No nosso ponto de vista, a melhor formação é esta prática enriquecida com a teoria em simultâneo.
E se não tivessem estrangeiros?
Diogo: era muito complicado. Em termos de contratação também temos uma coisa que é do agrado das pessoas. Para além do horário, como já disse, não fazemos contratos a prazo, as pessoas entram imediatamente para efetivos na empresa.
Foi “virilizado” na sociedade portuguesa, por razões, enfim, estratégicas, para não dizer outra coisa, que as empresas contratam estrangeiros porque pagam ordenados inferiores.
Joana: não é verdade! Não podemos confundir mercado de trabalho com trabalho ilegal. Se já há fiscalizações para a igualdade de género, homem e mulher, categoria igual, salário igual, imagine o que é ter imigrantes em trabalho ilegal. Não pode acontecer, é completamente ilegal, condenável e não corresponde à nossa forma de estar na vida. Consideramos todos por igual, damos a todos as mesmas possibilidades de qualificação. Temos vários exemplos na nossa empresa, como por exemplo uma pessoa de nacionalidade cabo-verdiana que chefia o setor da desmancha, bem com uma pessoa de nacionalidade indiana que chefia o setor de etiquetagem em um dos turnos.
Vamos falar do vosso crescimento. Há um antes e depois da vossa parceria com a cadeia Mercadona?
Diogo: há um antes e depois. Mas para falar do antes, tenho que falar de um início, de uma história, de um facto posterior, para se perceber o depois. O antes foi quando ficámos com esta empresa (Fumados Douro), tínhamos só a unidade que você conheceu, que já estava a ser pequena e até tínhamos iniciado a candidatura ao “Portugal 25” para construir uma nova unidade. Entretanto, como adquirimos esta empresa, pela oportunidade e proximidade, pelo valor, pela fundamentação, pela experiência e por outros critérios ficamos com a empresa, em vez de fazer uma nova.
Portanto, viemos para aqui com uma ideia micro, a nossa realidade era micro, era de trabalhar o fumeiro tradicional. Esta unidade tinha matadouro, tínhamos logística de talhos, distribuíamos carne desde Viana do Castelo até Ferreira do Zêzere com 16 camiões, duas entregas por semana. Estamos a falar de 2017, tudo isto antes do de todas as mudanças e estratégias comerciais.
Com as alterações e estratégias comerciais o que vos trouxe?
Trouxe-nos escala industrial, exatamente o que precisávamos para dar o salto.
Delineamos um objetivo e uma estratégia para a empresa, onde encerrámos o matadouro e onde nos focámos naquilo que era concretamente o nosso objetivo, começar a converter um porco em cuvettes.
E sim, houve um antes e um depois, mas, acima de tudo, houve uma mentalidade que entrou na nossa equipa, que é fazer um produto de excelência que resultou num sucesso. Tudo isto graças ao trabalho de toda a nossa equipa, aos nossos fornecedores, a todos os clientes e parceiros de negócio pela confiança.
“momento”?
Costumo dizer que nada é por acaso, vem do trabalho e depois precisamos de um pouco de sorte. Alguma sorte tem que haver com o percurso, eu conheço muito boa gente que luta e trabalha muito e a sorte não está com eles. As situações têm que ser contextualizadas desta maneira. Agora, não vou dizer que foi um momento, foi uma necessidade reciproca.
A Mercadona um dos nossos principais clientes tinha a sua estratégia. Em 2018 fez uma pesquisa exaustiva com uma equipa no terreno, habilitada para encontrar fornecedores para servir o Mercadona em Portugal. Essa equipa visitou-nos e depois de negociações com outros players, optou pela nossa casa.
De que forma é que a vossa empresa reflete preocupações ambientais?
Diogo: temos preocupações ambientais, mas ainda temos muito a fazer. Pegámos numa empresa que, a nível infra-estrutural, não conhecíamos, e somos surpreendidos à medida que vamos mexendo nelas. Uma delas foi a estação de tratamento de águas residuais, que tivemos de fazer a requalificação da ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais).
Mas deixe-me dizer: para nós, as preocupações ambientais são encaradas de forma diferente. Não fazemos melhoramentos ambientais de show-off, não queremos. Estamos a mudar as centrais de frio, o que nos permitirá fazer uma poupança energética de 50%, para além do aumento substancial de painéis fotovoltáicos. Além disso, todos os equipamentos que temos no chão-de-fábrica, desde 2019, foram adquiridos – cada um com a sua atualização – com os requisitos de se tornarem mais eficientes e menos penalizadores a nível ambiental.
Todo o trabalho que estamos a fazer obriga a um esforço adicional, porque está a ser feito em cima de uma infraestrutura já existente que não estava preparada para a realidade atual. Se tivéssemos construído uma unidade de raiz, seria muito mais fácil e menos dispendiosa.
A vossa produção é de volume. O volume é compatível com a qualidade?
Diogo: é compatível, porque quanto mais volume, mais necessidade temos de nos reajustar produtivamente.
Não é a mesma coisa. Reajuste produtivo pode não ter nada a ver com qualidade de produto…
Concordo, mas a qualidade do nosso produto já está selecionada, independentemente da quantidade. Temos critérios de exigência superior, quer na matéria-prima, quer na elaboração dos nossos produtos. Mantemos a qualidade superior e a homogeneidade do produto. A única coisa é garantir a produtividade, uma coisa é fazer 5000 kg, outra é fazer 50.000 kg. Somos muito rigorosos, porque para termos bons resultados, não podemos abrir mão de certos requisitos e a matéria-prima é uma evidência disso.
Segundo consta, a curto prazo vamos voltar a conversar…
Provavelmente (Gargalhada).
Grupo FTD. Marcos importantes
1979 – José Cardoso iniciava a sua atividade de fumeiro tradicional, que seria a génese do Grupo FTD (Grupo Terras do Demo).
2000 – A unidade de Vila pouca de Aguiar inicia a atividade de produção de charcutaria de cariz tradicional.
2008 – “Terras do Demo! dá os primeiros passos de exportação.
2009 – Assiste-se à entrada de produtos “Terras do Demo” nas cadeias de grande distribuição.
2013 – “Terras do Demo” obtém a certificação IFS-Food – International Featured Standard.
2017 – O Grupo FTD adquire uma unidade de produção em Armamar, aumentando substancialmente a sua capacidade de produção.
2019 – A nova unidade dotou o Grupo de novas valências, passando a ter o seu processo verticalizado, apostando no desenvolvimento de novas linhas de produtos fatiados e cuvetizados de carnes frescas e charcutaria, sendo atualmente um dos maiores operadores nacionais.
2023 – O Grupo FTD controla todo o processo produtivo, garantido um circuito completo e rigoroso no tratamento dos seus produtos de charcutaria, fatiados, carnes frescas e congeladas. Presente em mais de 20 países, o Grupo FTD não para de inovar e de se reinventar.
2025 – Com mais de 270 colaboradores, o Grupo orgulha-se de ter competências técnicas, equipamentos e infra-estruturas de ponta, que lhe permitem oferecer produtos de excelência.
O percurso da “Terras do Demo” é um exemplo de como a tradição e a inovação podem andar de mãos dadas para gerar crescimento e impacto económico.
Com uma estratégia bem definida e um compromisso firme com a qualidade e pessoas, a empresa reafirma-se como uma referência do setor agroalimentar, levando o nome de Vila Nova de Paiva, Armamar e do interior do país cada vez mais longe.